Viver
19 Jan 2017
O que a modernidade tem ensinado, em termos de capacidades humanas de gerenciamento, é que a razão não é um instrumento ilimitado, capaz de a tudo dar conta. Por extensão, isso imprime um sério desafio às organizações, no tocante à amplitude e profundidade das tecnologias de comunicação e informação: o que pode e deve estar sob o escrutínio da rotinização decisória e o que cabe exclusivamente à mente humana lidar? O que se tem visto na prática gerencial das organizações de ciência e tecnologia são inversões infantis da lógica da decisão: aspectos rotineiros são objeto de discussões infindáveis e inconclusas, enquanto o que merece apreciação profunda das consequências do que foi decidido é deliberado sem a atenção devida. E o resultado disso tudo? Os mais nefastos que se pode imaginar.
Sem a devida compreensão do complexo racionalidade qualquer possibilidade de sucesso gerencial encontra-se deveras comprometido. Este artigo tem como finalidade apresentar os limites da racionalidade humana na prática gerencial.
Quando se fala em racionalidade está-se focando a capacidade humana de calcular resultados pretendidos a partir da otimização dos recursos disponíveis. Desta forma, os resultados serão racionalizados quando os recursos alcançarem o maior padrão de eficiência possível para produzi-los.Diante desse desafio não é difícil perceber a importância das tecnologias de informação e comunicação não apenas para dar suporte às decisões, mas fundamentalmente para acompanhar a execução do que foi decidido e avaliar cada resultado parcialmente alcançado. É que a racionalidade alcança todos esses meandros e dimensões enquanto capacidade humana de calcular de forma consequente as utilidades que pretende alcançar. É que muita gente imagina (e isso tem levado muitas organizações à bancarrota) que as tecnologias servem apenas para alimentar o processo de decisório. Ledo engano. O processo decisório é apenas um momentum de um processo maior, que é o planejamento. E o planejamento, por sua vez, é apenas um subprocesso de um processo maior, que é o processo gerencial.
Recompondo a lógica, tem-se: processo decisório que alimenta o processo de planejamento, que alimenta o processo gerencial, que se desdobra em outros subprocessos e é parte de processos maiores. Novamente, a racionalidade humana pretende dar conta dessa teia de processos e subprocessos, suas interconexões, consequências, resultados, cenários e inúmeras outras dimensões da realidade do universo organizacional. Dito de outra forma, para quem ainda não entendeu o problema, a racionalidade pretende dar conta de todos os meandros do universo organizacional e seus impactos nos infinitos universos organizacionais, uma vez que uma organização é composta de vários universos organizacionais.
Tome-se como exemplo a necessidade que toda organização tem de se ver, hoje, como deverá estar no futuro distante. Imagine sua organização daqui a 50 anos! Não conseguiu? Pois é, para isso é preciso lidar com um manancial nada simples de dados e informações para que o cenário futuro possa ser vislumbrado e, diante dele, desenhar sua organização, seu papel na construção desse cenário e na atuação para a construção de outros cenários ainda mais distantes. Além disso, é necessário que se entenda que não basta ter um cenário e o papel da organização atuando nele. É preciso identificar variáveis-chave que podem afetar decisivamente o caminho da organização em direção a esse futuro, seja em forma de oportunidade, seja em forma de ameaça à sua existência. Como as forças ambientais não podem ser alteradas pela organização (pelo menos para a maioria que compõem o ambiente de atuação), aquelas decisivas precisam ser monitoradas para que planos alternativos possam ser executados para fugir às ameaças e aproveitar as oportunidades.
Como se pode perceber, o gerenciamento sério e responsável das organizações de ciência e tecnologia (e todos demais tipos de organizações) exige conhecimento de dimensões não comuns ao cotidiano organizacional, como a racionalidade. Evidentemente que não se pode existir de todo gerente um filósofo ou cientista de epifenômenos da psique humana. No entanto, deve-se exigir, sim, que tome conhecimento dessas limitações e possibilidades para que possa saber que instrumentos são capazes de lhes auxiliar na execução de suas missões gerenciais e até que ponto pode exigir de seus colaboradores, especialmente os de tecnologia da informação e comunicação.
Determinada organização de ciência e tecnologia se colocou o desafio de ser uma das que mais produzem patentes em determinada área do conhecimento em 30 anos. Passados 25 anos da proposição do desafio, já é considerada, hoje, uma das líderes do segmento que escolheu atuar. Para isso, cercou-se de instrumentos e dados e informações precisas que lhe permitiram desenhar os cenários atuais e dos próximos 20 anos. Também consegue detectar mudanças sutis no comportamento das variáveis-chave sobre as quais se assentam seus modelos de previsão, além de permitir a incorporação de novas variáveis. Nenhuma decisão de médio e longo prazos é tomada sem que esteja em consonância com o modelo adotado, que é alvo de aperfeiçoamento constante.
Diferentemente de quase todas as organizações nacionais de ciência e tecnologia, que não conseguem prever sequer quanto poderá faltar de recursos para honrar seus compromissos, trabalhar com o conhecimento da racionalidade limitada eleva o poder racional da gestão, ainda que isso possa parecer paradoxal. A explicação é simples: quanto mais se tem precisão das nossas limitações, mais se está preparado para superá-las. Decisivamente, a racionalidade limitada nos prega muitas surpresas. E muitas delas só são desagradáveis para quem não se preocupa com ela.
*Daniel Nascimento-e-Silva, PhD
Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas(IFAM)